Declaração de Adelaide sobre Cuidados


Declaração de Adelaide sobre Cuidados

Declaração de Adelaide sobre Cuidados

Primários

A adoção da Declaração de Alma Ata, há década atrás, foi o marco mais importante do movimento da “Saúde Para Todos no Ano 2000”, lançado pela Assembléia Mundial da Saúde, em 1977. Estruturada sobre o reconhecimento da saúde como um objetivo social fundamental, a Declaração da uma nova direção às políticas de saúde, enfatizando a participação comunitária, a cooperação entre os diferentes setores da sociedade e os cuidados primários de saúde como seus fundamentos conceituais.

O ESPÍRITO DE ALMA-ATA

O espírito de Alma-Ata foi transposto à Carta de Compromisso com a Promoção da Saúde, adotada em Ottawa, em 1986. Aquele documento estabelece o desafio da mudança em direção a novas políticas de saúde que reafirmem a justiça social e a eqüidade como pré-requisito para a saúde, assim como a defesa da saúde e a mediação política, como processos indispensáveis para alcançá-la.

A Carta identifica cinco campos de ação para a promoção da saúde:

– construção de políticas públicas saudáveis;

– criação de ambientes favoráveis à saúde;

– desenvolvimento de habilidades individuais;

– reforço da ação comunitária;

– reorientação dos serviços de saúde.

Estas ações são interdependentes, mas somente o conjunto de políticas públicas voltadas para a saúde estabelecerá o ambiente necessário para que as outras quatro ações mencionadas sejam possíveis.

A Conferência de Adelaide, realizada em Abril de 1988 e cujo tema central foram as Políticas Voltadas para a Saúde ( Políticas Públicas Saudáveis), manteve a direção já estabelecida nas Conferências de Alma-Ata e Ottawa. Duzentos e vinte participantes de quarenta e dois países compartilharam experiências sobre a ação em prol de políticas públicas voltadas para a saúde, recomendadas a seguir, refletem o consenso alcançado na Conferência de Adelaide.

POLÍTICAS PÚBLICAS SAUDÁVEIS

As políticas públicas caracterizam-se pelo interesse e preocupação explícitos de todas as áreas das políticas públicas em relação à saúde e a equidade, e pelos compromissos com o impacto de tais políticas sobre a saúde da população. O principal propósito de uma política pública saudável é criar um ambiente favorável, para que as pessoas possam viver vidas saudáveis. As políticas saudáveis facilitam opções saudáveis de vida para o cidadãos. Criam ambientes sociais e físicos comprometidos com a saúde.Para formular políticas públicas saudáveis, os setores governamentais de agricultura, comércio, educação, industria, e comunicação devem levar em consideração a saúde como um fator essencial. Estes setores deveriam ser responsabilizados pelas conseqüências de suas decisões políticas sobre a saúde da população. Deveriam, também, dar tanta atenção à saúde quanto aos assuntos econômicos.

O VALOR DA SAÚDE

A saúde é ao mesmo tempo um direito humano fundamental e um sólido investimento social. Os governos devem investir recursos em políticas públicas saudáveis e em promoção da saúde, de maneira a melhorar o nível de saúde dos cidadãos. Um princípio básico de justiça social é assegurar que a população tenha acesso aos meios imprescindíveis para uma vida saudável e satisfatória. Ao mesmo tempo, isto aumentará, de maneira geral, a produtividade da sociedade, tanto em termos sociais como econômicos. Políticas públicas voltadas á saúde e planejadas para curto prazo trarão benefícios econômicos de longo prazo, como demonstrado por diversos casos apresentados durante a Conferência. Novos esforços devem ser despendidos para integrar políticas econômicas, sociais e de saúde em ações concretas.

EQÜIDADE, ACESSO E DESENVOLVIMENTO

As iniqüidades no campo da saúde têm raízes nas desigualdades existentes na sociedade. Para superar as desigualdades existentes entre as pessoas em desvantagem social e educacional e as mais abastadas, requer-se políticas que busquem incrementar o acesso daquelas pessoas a bens e serviços promotores de saúde, e criar ambientes favoráveis.Tal política deveria estabelecer alta prioridade aos grupos mais desprivilegiados e vulneráveis. Além disso, uma política pública saudável reconhece como peculiar a cultura de povos indígenas, minorias étnicas e imigrantes. A igualdade no acesso aos serviços de saúde, particularmente quanto aos cuidados primários, é um aspecto vital da eqüidade em saúde.

Novas desigualdades em saúde podem advir das rápidas mudanças estruturais de tecnologias emergentes. No caso da Região Européia da OMS, por exemplo, o principal alvo no que concerne a “Saúde para Todos”é que “no ano 2000, as diferenças atuais no nível de saúde entre os países, e entre grupos num mesmo país, devem ser reduzidas, ao menos em 25%, melhorando o nível de saúde das nações e grupos desprivilegiados.

“Devido ao grande fosso existente entre países quanto ao nível de saúde, aos países desenvolvidos têm obrigação de assegurar que suas próprias políticas públicas tenham um impacto positivo na saúde das nações em desenvolvimento. A Conferência recomenda que todos os países estabeleçam políticas públicas voltadas de maneira explícita para a saúde.

RESPONSABILIDADE PELA SAÚDE

As recomendações desta Conferência somente se materializarão se os governos estabelecerem ações concretas nos níveis nacional, regional e local. O desenvolvimento de políticas públicas saudáveis é tão importante no nível local quanto no nível nacional. Os governos devem definir metas explícitas que enfatizem a promoção da saúde.

A responsabilidade pública pela saúde é um componente essencial para o fortalecimento das políticas públicas comprometidas com a saúde. Os governos e os setores sociais que concentram recursos são igualmente responsáveis, perante aos cidadãos, quanto às conseqüências das suas decisões políticas, ou pela falta delas, sobre a saúde das populações. Um dos compromissos das políticas públicas voltadas à saúde, em linguagem que os diferentes grupos sociais possam facilmente compreender. A ação comunitária é um ponto central na promoção de políticas saudáveis. Tomando em conta a educação e o nível de alfabetização das populações, devem ser feitos esforços especiais para informar adequadamente sobre estas políticas públicas os grupos que dela poderão melhor se beneficiar.

A Conferência enfatiza a necessidade de avaliar o impacto destas políticas. Devem ser desenvolvidos sistemas de informação para a saúde que apoiem este processo. Isto encorajará os níveis mais altos de decisão a alocarem futuros recursos na implementação das políticas públicas saudáveis.

PARA ALÉM DOS CUIDADOS DE SAÚDE

As políticas públicas voltadas para a saúde devem responder aos desafios colocados por um mundo de crescentes e dinâmicas transformações tecnológicas, com suas complexas interações ecológicas e crescente interdependência internacional. As possíveis conseqüências destes desafios no campo da saúde não podem ser resolvidas pela maioria dos atuais sistemas de cuidado à saúde, que estão ultrapassados. Os esforços em promover a saúde são essenciais, o que requer uma abordagem integrada do desenvolvimento social e econômico, que restabeleça aos laços entre a reforma social e a reforma da saúde, propostos como princípio básico pela OMS desde a década passada.

PARCEIROS NO PROCESSO POLÍTICO

Os governos têm um importante papel no campo da saúde, mas é também extremamente influenciado por interesses corporativos e econômicos, organizações não governamentais e organizações comunitárias. A capacidade potencial destas organizações em preservar e promover a saúde das populações deve ser encorajada. Sindicatos, comércio e industria, associações acadêmicas e lideranças religiosas têm muitas oportunidades em atuar na melhoria da saúde da população como um todo. Novas alianças devem ser forjadas visando promover o incremento das ações de saúde.

ÁREAS DE AÇÃO

A Conferência identificou quatro área prioritárias para promover ações imediatas em políticas públicas saudáveis:

APOIO À SAÚDE DA MULHER

As mulheres são as principais promotoras de saúde em todo o mundo, embora muito do seu trabalho seja feito sem pagamento ou por uma remuneração mínima. Grupos e organizações de mulheres são modelos para o processo de organização, planejamento e implementação do componente de promoção da saúde. Os grupos de mulheres deveriam receber mais reconhecimento e apoio dos políticos ou serem sub-assalariadas. Por sua participação efetiva na promoção da saúde, as mulheres deveriam ter mais acesso à informação e aos recursos do setor. Todas as mulheres, especialmente aquelas de grupos étnicos, indígenas ou outras minorias, têm o direito à auto-determinação da sua saúde e deveriam ser parceiras pelas na formulação das políticas públicas voltadas á saúde, assegurando assim sua identidade cultural.

Esta Conferência propõe que os países comecem a desenvolver planos nacionais para a promoção de políticas públicas voltadas à saúde mulher, nos quais os pontos da agenda do movimento de mulheres fossem respeitados e priorizadas, incluindo como sugestão as seguintes propostas:

– igualdade de direitos na divisão de trabalho existente na sociedade;

– prática de parto baseadas nas preferências e necessidades das mulheres;

– mecanismos de apoio à mulher trabalhadora como: apoio a mulheres com crianças, licença maternidade, licença para acompanhamento dos cuidados ao filho doente.

ALIMENTAÇÃO E NUTRIÇÃO

A eliminação da fome e da má nutrição é um objetivo fundamental das políticas públicas voltadas à saúde. Estas políticas devem garantir acesso universal a quantidades suficientes de alimentos de boa qualidade e que respeitem as peculiaridades culturais. Políticas de alimentação e nutrição devem integrar métodos de produção e distribuição de alimentos dos setores público e privado, para atingir preços eqüitativos

Políticas de alimentação e nutrição que integrem harmoniosamente agricultura, economia e fatores ambientais deveriam ser uma prioridade de todos os governos para obter um impacto maior na saúde a nível nacional e internacional. O primeiro passo para a implementação deste tipo de política, deve ser o estabelecimento de metas sociais em alimentação e nutrição. Quando o Estado cria taxações e subsídios a produtos, estes devem ser usados prioritariamente em prol da melhoria do acesso da população a uma alimentação mais saudável e a uma dieta mais rica.

A Conferência recomenda que os governos implementem imediatamente ações diretas em todos os níveis para aumentarem imediatamente ações diretas em todos os níveis para aumentar seu poder de compra no mercado de alimentos e assegurar que os estoques de alimentos sob sua responsabilidade e controle garatam ao consumidor acesso rápido a uma comida mais saudável ( inclui-se aí também estoques de alimentos em e para hospitais, escolas, abrigos e locais de trabalho).

TABACO E ÁLCOOL

O uso do fumo e o abuso do álcool são dois grandes riscos á saúde que merecem imediata ação dentro da perspectiva das políticas públicas voltadas à saúde. Está cientificamente reconhecido que o fumo não só faz um imenso mal diretamente ao fumante, como também aos chamados fumantes-passivos, especialmente crianças. O álcool contribui para distúrbios sociais e traumas físicos e mentais. Além disso, devemos lembrar as séries conseqüências ecológicas do tabaco como cultura muito rentável, principalmente em países com economia já empobrecidas, o que contribui para a atual crise mundial de produção e distribuição de alimentos

A produção e o “marketing”da indústria do tabaco e do álcool são atividades altamente rentáveis, especialmente para governos, devido aos elevados impostos. Os governos freqüentemente consideram que as conseqüências econômicas da redução de produção e consumo do tabaco e do álcool não compensariam os ganhos que se obteriam na saúde.

Esta Conferência alerta todos os governos para o elevado potencial humano perdido por doenças e mortes causas pelo uso do fumo e abuso do álcool. Os governos deveriam se comprometer em desenvolver uma política pública voltada à saúde, traçando metas nacionais significativas na redução da produção de tabaco e álcool, assim como do “marketing” e do consumo, para o ano 2000.

CRIANDO AMBIENTES SAUDÁVEIS

Muitas pessoas vivem e trabalham em condições prejudiciais a suas saúdes e estão potencialmente expostas a produtos perigosos. Tais problemas, muitas vezes, transcendem as fronteiras nacionais. A administração e gestão ambiental deveriam proteger a saúde humana dos efeitos adversos diretos e indiretos de fatores biológicos, químicos e físicos e deveriam reconhecer que homens e mulheres são parte do complexo eco-sistema universal. A extrema mas limitada diversidade de recursos naturais, usados para melhorar as condições de vida, é essencial ao ser humano. Políticas que promovem a saúde só podem ter sucesso em ambientes que conservem os recursos naturais, através de estratégias ecológicas de alcance global, regional e local.

É necessário um elevado grau de compromisso em todos os níveis e escalões do governo. São necessários esforços para uma coordenação inter-setorial, visando assegurar que as decisões que levem a saúde em consideração sejam encaradas como prioridade ou pré-requisito para o desenvolvimento industrial e da agropecuária. A nível internacional, a Organização Mundial da Saúde deveria desempenhar um papel mais intensivo junto aos governos para a aceitação destes princípios, apoiando o conceito de desenvolvimento sustentável.

Esta Conferencia defende que, como prioridade, a saúde pública e os movimentos ecológicos juntem suas forças para desenvolver estratégias comuns, visando obter o desenvolvimento socio-econômico e, simultaneamente, a conservação dos limitados recursos do planeta.

DESENVOLVENDO NOVAS ALIANÇAS NA SAÚDE

O compromisso com políticas públicas voltadas á saúde exige uma abordagem que enfatize consulta e negociação. Política públicas saudáveis requerem fortes defensores que coloquem a saúde no topo da agenda dos políticos e dirigentes públicos. Isto significa promover o trabalho de grupos de defesa da saúde e auxiliar a mídia a interpretar a complexidade dos assuntos de política de saúde.

As instituições educacionais precisam responder às necessidades emergentes da nova saúde pública, reorientando os currículos, existentes, no sentido de melhorar as habilidades em capacitação, mediação e defesa da saúde pública. No desenvolvimento das políticas, o poder deve migrar do controle para o apoio técnico. Além disso, são necessários eventos que permitam a troca de experiências nos níveis local, nacional ou internacional. A Conferência recomenda que grupos de trabalho locais, nacionais e internacionais:

– estabeleçam centros promotores da boa prática no desenvolvimento das políticas públicas saudáveis;

– desenvolvam redes de pesquisadores, educadores e gestores, para discutirem processos de análise e implementação das políticas públicas voltadas a saúde.

COMPROMISSOS PARA UMA SAÚDA PÚBLICA GLOBAL

Os pré-requisitos para o desenvolvimento social e da saúde são a paz e a justiça social:; alimentação adequada e água potável; educação e moradia decentes, um papel profícuo na sociedade e renda adequada; conservação dos recursos naturais e proteção do eco-sistema. As políticas públicas saudáveis e o compromisso para uma saúde pública dependerá das bases de ma forte cooperação internacional para agir nas questões que, por sua amplitude e complexidade, ultrapassam as fronteiras nacionais.

DESAFIOS FUTUROS

1. Assegurar uma distribuição eqüitativa dos recursos, mesmo em condições econômicas adversas, é um desafio para todas as nações.

2. Saúde para Todos será alcançada somente quando a criação e preservação de condições de vida e trabalho saudáveis forem uma preocupação central em todas as decisões de políticas públicas. O trabalho em boas condições (proteção no trabalho, oportunidades de emprego, qualidade da vida produtiva do trabalhador) afeta dramaticamente a saúde e a felicidade das pessoas.

3. O desafio fundamental para as nações e as agências internacionais para se alcançar políticas públicas voltadas à saúde é o de desenvolver parcerias em paz, respeitando os direitos humanos e a justiça social, a ecologia e, ao mesmo tempo manter o desenvolvimento sustentável global.

4. Em muitos países, a saúde é responsabilidade de diferentes parceiros e em diferentes graus de decisões políticas. Para atingir melhores níveis de saúde devemos encontrar novas formas de colaboração dentro os diferentes atores, e também entre os diversos níveis de decisão.

5. Políticas públicas voltadas à saúde devem assegurar que os avanços das tecnologias voltadas à atenção à saúde ajudem, em vez de esconder,o processo de aprimoramento da eqüidade social.

A Conferência recomenda fortemente que a OMS continue o intenso trabalho de promoção da saúde através das cinco estratégias descritas na Carta de Ottawa. É urgente que a OMS expanda suas iniciativas a todas as Regiões, como um processo integrado deste trabalho. Apoio aos paises desenvolvimento, principalmente aos mais pobres, é crucial para o sucesso deste processo.

RENOVAÇÃO DO COMPROMISSO

No interesse da saúde global, os participantes da Conferência de Adelaide conclamam a todos que busquem reafirmar o compromisso por uma forte aliança na saúde pública como foi conclamado na Carta de Ottawa.