1º Ciclo de Diálogos da Lei Maria da Penha discute proteção psicológica às vítimas de violência doméstica 


O 1º Ciclo de Diálogos da Lei Maria da Penha prosseguiu, na manhã desta quarta-feira (10), com duas palestras sobre os seguintes temas: “Violência Psicológica”, apresentada pela promotora de Justiça do Ministério Público de São Paulo e professora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Valéria Scarance, e “O papel da iniciativa privada, do terceiro setor e do Ministério Público na prevenção e no enfrentamento à violência contra a mulher – Projeto Renova”, ministrada pela professora doutora do Departamento de Psicologia, da Universidade Federal do Ceará, Daniely Tatmatsu. 

Aberto ao público promovido pelo Centro de Estudos e Aperfeiçoamento Funcional (CEAF) e do Núcleo Estadual de Gênero Pró-Mulher (Nuprom), com apoio da Escola Superior do Ministério Público (ESMP), o evento continuará até o dia 11 de agosto, transmitido, ao vivo, através da plataforma Microsoft Teams, com outras participações especiais de convidados. 

A promotora de Justiça e coordenadora do Nuprom, Lucy Antoneli da Rocha, procedeu a abertura do 1º Ciclo de Diálogos da Lei Maria da Penha, destacando que o evento foi idealizado pelo Conselho Nacional do Ministério Público e que ele acontecerá, anualmente, sempre no mês de agosto, quando a referida lei é comemorada. 

No intervalo entre as palestras, Lucy Antoneli fez questão de exibir o conteúdo da “Campanha Toque de Amiga”, com cards e vídeos para esclarecer o público sobre a Violência Psicológica contra a mulher numa linguagem dirigida às redes sociais. A campanha foi idealizada pelo Ministério Público de Goiás e apoiada pela Comissão Permanente de Combate à Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher (COPEVID) e pelo Grupo Nacional de Direitos Humanos (GNDH) e, depois, por todo o Ministério Público brasileiro. 

A presidência da mesa dos trabalhos ficou a cargo da promotora de Justiça e coordenadora do Núcleo de Atendimento às Vítimas da Violência (NUAVV), Joseana França, que procedeu a apresentação da primeira palestrante em sua fala de boas-vindas. Ela agradeceu por prestigiar um momento tão rico, de intenso conhecimento compartilhado e pela disponibilidade das convidadas. 

Criadora da Cartilha Namoro Legal e autora de obras relacionadas à proteção e ao enfrentamento à violência doméstica e de gênero e sobre a Lei Maria da Penha, Valéria Diez Scarance Fernandes é, sobretudo, uma militante na defesa dos direitos humanos. Segundo afirmou, apesar de haver uma mobilização nacional no enfrentamento à violência contra a mulher, ainda faltava existir um tipo penal que abrangesse a violência psicológica, sendo uma necessidade diante das mudanças legislativas. “Não tínhamos uma previsão penal que correspondesse à descrição da lei. Agora, a partir da Lei nº 14.188/2021, há um instrumento de atuação que permite uma investigação e uma oportunidade de prevenção e não só à punição”, considerou. 

Promulgada em 28 de julho de 2021, a Lei nº 14.188/21 define o programa de cooperação Sinal Vermelho contra a Violência Doméstica como uma das medidas de enfrentamento da violência doméstica e familiar contra a mulher, vindo a reforçar o processo de intervenção do estado contra os caminhos da violência, numa história de dor, sofrimento e submissão. Para Scarance, a violência psicológica está presente no início, no meio e no fim de uma relação abusiva. “Sempre existe a violência psicológica nas mulheres submetidas. Esta é uma violência invisível, atípica contra a mulher, que só podemos identificá-la com estudo, observação e acompanhamento”, pondera. 

Ao citou um caso emblemático relatado num livro sobre relações abusivas de uma autora norte-americana, a palestrante mostrou a sutileza e estratégias de violência do abusador na maneira como manipula, tanto a vítima como as pessoas próximas.  Ainda há pouco material sobre violência psicológica nas relações abusivas e impactos para a saúde. A relação abusiva é quando existe qualquer tipo de violência: agressões físicas, psicológicas, patrimoniais (privação de bens, valores e documentos pessoais), sexual (qualquer tipo de relação não consensual) ou moral (calúnia e difamação), acarretando danos na vida de quem sofre com um relacionamento abusivo. 

Conforme observou a promotora de Justiça, o Brasil é recordista de índices de violência contra as mulheres, ocorrendo um considerável aumentou durante o período de pandemia, devido ao isolamento, controle pelo confinamento e fatores estressores, como o consumo de álcool, drogas e a alta taxa de desemprego, o que potencializaram a violência. Ainda em razão do isolamento social, houve o relato de queda de registros formais das formas de violência. 

Scarance mencionou que o Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2022 trouxe o resultado de uma pesquisa da socióloga e diretora-executiva do Fórum Brasileiro de Segurança Pública Samira Bueno. Nele, há o levantamento de novos crimes como stalking (perseguição), com quase 28 mil casos registrados e pouco mais de oito mil casos de violência psicológica, porque aqueles são muito mais fáceis de serem identificados, pela quantidade de ligações, presença do autor no ambiente de trabalho e pelo monitoramento eletrônico que mostram atos objetivos. 

Por sua vez, a violência psicológica é confundida como um suposto “ato de amor” pela sociedade. A vítima é vista, até mesmo por autoridades desavisadas, como uma pessoa mal-agradecida diante do “cuidado” do abusador e a mulher passa a ser enxergada como doente e fraca. “A violência destrói a principal defesa da mulher, que é a autoestima, a autoconfiança de acreditar em si mesma e de que tem saída. Por isso, é importante lembrar que mulheres que rompem o silêncio são potencialmente salvas e carregam consequências menores para suas vidas”, reforçou. 

No segundo painel da programação, a professora doutora do Departamento de Psicologia da Universidade Federal do Ceará, Daniely Tatmatsu, ressaltou os resultados e a metodologia do Projeto Renova da UFC, o qual formou o Grupo de intervenção para homens autores de violência conjugal. A pesquisa, que começou na Casa da Mulher Brasileira, em parceria com o NUPROM e o Tribunal de Justiça, por meio do Juizado da Mulher, considerou a necessidade de um projeto para formação de grupos reflexivos para homens. 

A experiência, controlada pelo Laboratório de Análise Experimental do Comportamento do Ceará (LACCE), encontrou novas metodologias com o Projeto Renova, resultando na assinatura de um Termo de Cooperação Técnica como garantia de sua longevidade. A pesquisa tem como base dados expostos no Mapa da Violência de 2015, em que as mulheres vítimas de violência estão em maior risco a agressões subsequentes, merecendo mais cuidado pela rede. Além disso, o Ceará é considerado o 10º estado mais violento do País. 

Voltado para o público de homens autores de violência doméstica contra mulheres, mas que ainda mantém o vínculo com suas parceiras, o Projeto Renova visa promover o desenvolvimento do repertório de habilidades sociais como empatia, conversação assertiva, autocontrole, a fim de expressar sentimentos positivos. A dinâmica permite que o homem simule e interprete, com a ajuda de facilitadores, o papel da companheira, colocando-se no lugar dela. 

De acordo com a pesquisadora, a Lei nº 13.984, de 3 de abril de 2020, é um marco da diretriz de cunho socializador da Lei Maria da Penha, uma vez que altera o artigo 22 da Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006 (Lei Maria da Penha), para estabelecer como medidas protetivas de urgência a frequência do agressor a centro de educação e de reabilitação e acompanhamento psicossocial. “O objetivo de romper com o ciclo da violência e cessar a reincidência, tendo como premissa que as pessoas com habilidades sociais são capazes de promover interações sociais mais satisfatórias, o que pode auxiliar na prevenção da redução de dificuldades psicológicas”, entende. 

Ela informa que habilidades sociais são comportamentos sociais valorizados em determinada cultura com alta probabilidade de resultados favoráveis para o indivíduo, seu grupo e comunidade, como: empatia, assertividade, civilidade, resolução de problemas e manejo de conflitos, autocontrole, fazer e manter amizade, expressar solidariedade, afeto e comunicação. Há avaliações antes e depois da intervenção, validadas pelo Inventário de Habilidades Sociais da universidade, com a intenção de produção de protocolo a ser disponibilizado para a rede de cuidado. 

Como aspectos positivos da intervenção em dois grupos realizada no ano de 2019, Daniely Tatmatsu revelou que as habilidades aprendidas eram emitidas no grupo, com o desenvolvimento da conversação assertiva, do autocontrole e da expressão de sentimentos positivos. Houve o registro de novas formas de lidar com questões comuns aos agressores, tais como o ciúme e o abuso de drogas; o relato de melhora na relação com os filhos; e verificou-se que a modalidade em grupo foi positiva, em razão da ajuda mútua entre os participantes, permitindo a eficácia da modalidade. 

Em termos de aspectos negativos, pesou que, na época, não havia a obrigatoriedade da participação, porque houve 100% de adesão, mas 50% de ausência dos homens encaminhados; a pesquisa considerou que o tempo de dez sessões não foi o suficiente; e que o inventário não era sensível para pessoas analfabetas ou de baixa escolaridade. Diante destas constatações, os pesquisadores encaminharam como sugestão para o projeto o aumento do número de sessões para 16; e a adoção de novos critérios de participação no grupo, a fim de serem registrados frequência e engajamento. 

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