Justiça determina retorno de defensor público titular à Comarca de Bela Cruz


marteladaO juiz substituto da Vara Única da Comarca de Bela Cruz, Francisco Gilmário Barros Lima, determinou, nesta sexta-feira (04/08), o retorno, no prazo de 15 dias, do defensor público titular da Comarca de Bela Cruz à sua titularidade, suspendendo os efeitos das portarias da Defensoria Pública Geral do Estado (DPGE) que o designou para atuar, com prejuízo de sua titularidade, em outras comarcas.

A decisão do magistrado decorre de Ação Civil Pública (ACP) ajuizada no dia 28 de julho de 2016 pelo Ministério Público do Estado do Ceará (MPCE), através da Promotoria de Justiça da Comarca de Bela Cruz, contra o Estado do Ceará e a DPGE. A ACP foi proposta tendo por base elementos de informação reunidos em Inquérito Civil Público (ICP) instaurado pela Promotoria de Justiça de Bela Cruz, para apurar e adotar as medidas adequadas para que cesse a omissão estatal em garantir o acesso ao judiciário no Município e verificar se há em tal conduta omissiva a prática de ato de improbidade por parte de dirigentes da DPGE, bem como de gestores do Poder Executivo.

Na ação, o promotor de Justiça da Comarca de Bela Cruz, André Zech Sylvestre, demonstrou existir defensor público titular da Comarca que, contudo, não chegou, nem mesmo por um dia, a exercer suas funções no Município, pois foi designado, no mesmo dia, para atuar na Comarca de Iguatu, e, pouco tempo depois, em Fortaleza, onde encontra-se atualmente.

“Tais designações estariam revestidas de patente ilegalidade, ferindo de morte os princípios administrativos da eficiência, excepcionalidade, interesse público, juridicidade e moralidade”, argumenta o membro do MPCE. André Zech Sylvestre esclarece que o provimento do órgão de atuação da Defensoria Pública na Comarca de Bela Cruz foi conduzido integralmente pela própria Defensoria Pública, contando com a participação dos seus órgãos de Administração Superior, sem que tenha havido qualquer interferência de outras instituições ou poderes na condução deste processo, o que afastaria qualquer alegação de possível ofensa a autonomia da Defensoria Pública.

“Longe de colocar em risco a autonomia da Defensoria Pública Geral do Estado do Ceará, esta demanda objetiva justamente o contrário, isto é, assegurá-la. Não se pode falar em autonomia da Defensoria sem que haja a absoluta e irrestrita observância das regras dispondo sobre a investidura e lotação dos Defensores Públicos, mediante critérios objetivos, abstratos, e previamente definidos em lei”, destaca André Zech Sylvestre.

Ele afirma, ainda, não ser admissível “que se valha a Sra. Defensora Pública Geral do Estado destas ilegais designações de Defensores Públicos para grandes centros, deixando o interior do Estado absolutamente desassistido, como forma de barganha ou pressão para que haja a suplementação orçamentária do Órgão”. Por fim, o promotor de Justiça destacou que a ilegal designação do defensor titular da Comarca vem causando inúmeros transtornos à população que, com isso, ficou desassistida do básico e civilizador direito à justiça.

Acolhendo os argumentos expostos pelo MPCE, o magistrado pontuou, na decisão, ser “público e notório que a Defensoria Pública propagou a ideia de que o interior do Estado do Ceará era praticamente desguarnecido de Defensores Públicos, estando a população hipossuficiente interiorana desprovida de acesso à Justiça, tanto que realizou concurso público no ano de 2015 e nomeou 30 (trinta) Defensores Públicos e ficou todas as suas titularidades nas Comarcas de entrância inicial, para justamente tentar amenizar a situação dos hipossuficientes interioranos”.

O juiz destacou que, “todavia, em verdadeiro venire contra factum proprium, no mesmo dia das lotações iniciais, designou todos eles, inclusive o Defensor Público desta Comarca de Bela Cruz, para Comarcas de entrância intermediária e final, estando eles hoje, em sua grande maioria, na capital do Estado ou em cidades de grande porte (Caucaia, Maracanaú, Sobral e Juazeiro do Norte, a título de exemplo), mantendo desguarnecida de atendimento a população carente das cidades para onde foram titularizados”.

“Conforme bem pontuou o Ministério Público em sua inicial, a criação dos dois órgão de atuação da Defensoria Pública do Estado do Ceará nesta Comarca (1ª Defensoria Pública de Bela Cruz e 2ª Defensoria Pública de Bela Cruz), decorreu de decisão do próprio Conselho Superior da Defensoria Pública Estadual, consubstanciada na Resolução n. 91/2013 (disponível do sítio virtual do Órgão), levando em consideração, pois, as necessidades da cidade a ser atendida”, explica Francisco Gilmário Barros Lima.

Ele conclui, assim, não haver “que se falar, de fato, em ofensa à discricionariedade da Defensoria Pública em escolher as lotações dos Defensores Públicos nomeados, uma vez que eles foram devidamente titularizados em localidades previamente definidas e escolhidas pelo órgão de cúpula da Defensoria Pública”, tratando-se de “controle de legalidade e não de discricionariedade dos atos administrativos combatidos”.

O magistrado ponderou, ainda, ter verificado da “documentação juntada pelo autor, que a Defensoria Pública do Estado do Ceará tem feito da designação de Defensores Públicos para outras Comarcas de entrância diversa, especialmente para Fortaleza, a verdadeira regra, desatendendo o comando legal da excepcionalidade”.

Dispondo que tais designações devem se nortear pela excepcionalidade e eventualidade, devendo ser devidamente motivadas pelo interesse público, o que não teria ocorrido no caso, acrescentou: “ao analisar as Portarias n. 1610/2015 e 1835/2015 da DPG do Estado do Ceará verifico que o agente público se valeu da pífia e genéria motivação consistente em `atender ao interesse público de organização do serviço e desempenho das funções defensorias´, sem apontar maiores especificidades acerca das designações, o mesmo se fazendo com relação aos outros 29 (vinte e nove) Defensores Públicos nomeados, à época, e titularizados nas Comarcas de entrância inicial, de modo a vislumbrar que, na realidade, não houve motivação idônea dos atos administrativos”. Ele assevera ainda que, “como bem apontou o autor, não se pode aceitar que interesses particulares (proximidade da família, estrutura propiciada pelos grandes centros, evitando as agruras encontradas no interior do Estado etc.) prevaleçam sobre importantes conquistas da Defensoria Pública e sobre o direito das pessoas carentes das cidades interiorana serem devidamente assistidas juridicamente”.

Concluindo, assinalou que “autonomia administrativa não se confunde com ausência de controle, seja ele interno, legislativo ou judicial” e acrescentou que “não se pretende negar que a Defensoria Pública tenha autonomia, porém, o órgão não pode se valer de tal instituto para construir uma blindagem a qualquer tipo de controle, sob penal de se criar no Brasil uma `super instituição´ pública imune a qualquer interferência, sobretudo quando diga respeito a aspectos de legalidade, como é o caso dos autos.”

“Os órgão de Administração do Poder Judiciário e do Ministério Público, embora gozem da prerrogativa constitucional da autonomia administrativa e financeira, não estão imunes aos controles (CNJ, CNMP, Tribunais de Contas etc.). Não há, portanto, quaisquer razões lógicas ou jurídicas para eximir a Defensoria Pública (que também possui autonomia) de tais controles”, ressalta o magistrado.

“Não obstante tenha a população de Bela Cruz obtido esta importante decisão, o Ministério Público dará continuidade ao procedimento administrativo, agora, contudo, objetivando verificar se das condutas praticadas pelos gestores da Defensoria Pública do Estado do Ceará decorreu a prática de algum ato de improbidade administrativa”, afirma o promotor de Justiça André Zech Sylvestre.

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